domingo, 9 de novembro de 2014

Você já se olhou no espelho hoje?


 
Não estou falando do espelho em que você se olha com a maior cara amassada do mundo enquanto escova os dentes de manhã. É de outro espelho que eu estou falando. Quem é você? Quais são suas verdades, seus princípios, seus orgulhos, seus medos, suas raivas, suas ternuras, suas piadas? As pessoas conhecem você? Não o você que se posiciona na frente do espelho de manhã para escovar os dentes, passar o rímel (para as calcinhas) ou só escovar os dentes mesmo (para os cuecas).

Esse você é você a olho nu. Esse você, você deixa ser revelado. Esse você, todo mundo pode conhecer. Porque é simples: de certo modo, você faz escolhas que não são passíveis de ser, digamos, escondidas. A calça que usa, se é de marca ou não, o tênis, o corte de cabelo, se usa batom, gloss, rímel e blush, somente um desses itens ou nenhum deles (para as minas-pá) se bota gel no cabelo ou não, se usa topete, moicano, dread, se é careca (para os manos-pô). Tudo isso diz alguma coisa sobre você, sobre seu estilo, sobre como você quer ser visto ou vista pelas pessoas com quem convive.

E é tudo muito natural. Ninguém se sente ofendido por você gostar de usar blusa roxa ou por pintar as unhas de amarelo. Você escolheu. Você ponderou. Você! Entre tantas outras opções, você escolheu a mais adequada para VOCÊ. As pessoas podem comentar algumas das suas “esquisitices” (entre aspas porque eu sou do lema do seja esquisito!), mas ninguém vai ficar magoado com você por essas escolhas superficiais mas importantes do dia a dia. Porque a escolha é sua e ela merece ser respeitada, e você tem o direito de ser quem você é. De se posicionar.

Mas eu quero falar sobre um outro tipo de posicionamento. Um posicionamento que vai além das roupas, do estilo, da aparência. Um posicionamento mais sutil, que, contraditório, causa tanta agressividade nas pessoas. O posicionamento das ideias, do subjetivo, de caráter, princípios e verdades individuais. Aquele que o espelho comum não pode nem nunca poderá refletir.

Hoje em dia, nós temos a possibilidade de espalhar nossos posicionamentos para além do nosso círculo físico de amizade. O Twitter está aí para provar. Os blogs estão aí para provar. E agora os vlogs. As mídias sociais são alimentadas por posicionamentos. De marcas e principalmente de pessoas. O conteúdo que rola nas mídias sociais é o espelho que reflete aquilo que o espelho do seu banheiro não pode refletir. Obviamente este conteúdo não revela tudo, mas pode revelar boa parte da nossa autoimagem e da imagem que queremos que tenham de nós.

Tem gente que escolhe não se posicionar. Não se posicionar garante passeio livre por todos os tipos de público, é fácil, não cansa, não causa atrito. Quem não se posiciona ideologicamente, não quer se olhar no espelho, porque tem medo de ser julgado.

Manter-se neutro, se é que existe neutralidade, não demanda trabalho, energia mental e emocional. O que é diferente de ter um pensamento dialético (ponderar prós e contras, botar tudo num liquidificador e se posicionar de maneira não-binária). Mas não se posicionar também não causa troca e tampouco permite aprendizados. Além do mais, pode ser perigoso. Falta de posicionamento me dá a impressão de descompromisso e apatia. Falta de paixão e envolvimento com alguma coisa. Quem não se posiciona, geralmente adora criticar quem se posiciona. Ironicamente, acaba tomando um posicionamento. E quer saber? Ponto pra quem causou esse posicionamento repentino. Ponto pra quem causou alguma coisa em quem tava lá, lendo sua timelinezinha, um blog ou assistindo a um vlog em estado letárgico. Acordar pessoas é sempre legal, mesmo quando você as acorda pra dar um sono no meio da sua cara. Se posicionar é difícil. É dar a cara a tapa. E que tapa! Quem se posiciona corre o risco de ser criticado, mal interpretado. As pessoas costumam confundir assertividade com arrogância.

 
Vide Felipe Neto. Quem é que entende que ele incorpora um personagem arrogante, irônico e agressivo para dar as próprias opinões? Ele chama na chincha, joga a merda no ventilador. Resultado? Assim ó, de gente criticando o que o Felipe Neto faz, sem primeiro fazer o mínimo esforço para entender a proposta dele. As críticas são importantes quando fundamentadas. Mas me incomodam muito quando elas só rolam porque, na cabeça da maioria, gente que se sente livre pra falar o que pensa, ofende. Não tanto pelas opiniões emitidas quanto pelo sentimento de liberdade e coragem com que a pessoa emitiu. Parece que não temos o direito de pensar de tal ou tal forma tanto quanto temos o direito de vestir tal ou tal roupa. Mas se pensarmos bem, enfrentar as críticas é o de menos. Porque quando uma pessoa se posiciona, ela ganha aliados também. Não para um combate lógico e racional, não para defender com unhas e dentes o posicionamento que os uniu. Mas para a vida. Quem se posiciona encontra pessoas valiosas, que não teria encontrado caso preferisse a neutralidade. Eu não acredito na neutralidade, não existe discurso neutro. Acredito na dialética, na ponderação de prós e contras. A neutralidade soa para mim como falsidade ou omissão. Já o posicionamento honesto nunca será impune. E a honestidade não é bonitinha, meiguinha, carinhosinha, fofinha. Ela só é curte quando assim ela deve ser, e ponto. A honestidade, meu amigo, às vezes é irônica. Às vezes é arrogante. Às vezes é chata. A honestidade às vezes é engraçada. A honestidade às vezes é depressiva. A honestidade é um monte de coisa, brodá. Só tem uma coisa que a honestidade não é: omissa.

Portanto, antes de criticar ou se sentir ofendido com o posicionamento alheio, tenho só uma perguntinha pra fazer pra você. E aí, você já se olhou no espelho hoje?

 

Fonte: http://www.ocrepusculo.com/2010/07/29/monologo-em-frente-ao-espelho/