Não estou
falando do espelho em que você se olha com a maior cara amassada do mundo
enquanto escova os dentes de manhã. É de outro espelho que eu estou falando.
Quem é você? Quais são suas verdades, seus princípios, seus orgulhos, seus
medos, suas raivas, suas ternuras, suas piadas? As pessoas conhecem você? Não o
você que se posiciona na frente do espelho de manhã para escovar os dentes,
passar o rímel (para as calcinhas) ou só escovar os dentes mesmo (para os
cuecas).
Esse você é você a olho nu. Esse você, você deixa
ser revelado. Esse você, todo mundo pode conhecer. Porque é simples: de certo
modo, você faz escolhas que não são passíveis de ser, digamos, escondidas. A
calça que usa, se é de marca ou não, o tênis, o corte de cabelo, se usa batom,
gloss, rímel e blush, somente um desses itens ou nenhum deles (para as
minas-pá) se bota gel no cabelo ou não, se usa topete, moicano, dread, se é
careca (para os manos-pô). Tudo isso diz alguma coisa sobre você, sobre seu
estilo, sobre como você quer ser visto ou vista pelas pessoas com quem convive.
E é tudo muito natural. Ninguém se sente ofendido
por você gostar de usar blusa roxa ou por pintar as unhas de amarelo. Você
escolheu. Você ponderou. Você! Entre tantas outras opções, você escolheu a mais
adequada para VOCÊ. As pessoas podem comentar algumas das suas “esquisitices”
(entre aspas porque eu sou do lema do seja esquisito!), mas ninguém vai ficar
magoado com você por essas escolhas superficiais mas importantes do dia a dia.
Porque a escolha é sua e ela merece ser respeitada, e você tem o direito de ser
quem você é. De se posicionar.
Mas eu quero falar sobre um outro tipo de
posicionamento. Um posicionamento que vai além das roupas, do estilo, da
aparência. Um posicionamento mais sutil, que, contraditório, causa tanta
agressividade nas pessoas. O posicionamento das ideias, do subjetivo, de
caráter, princípios e verdades individuais. Aquele que o espelho comum
não pode nem nunca poderá refletir.
Hoje em dia, nós temos a possibilidade de
espalhar nossos posicionamentos para além do nosso círculo físico de amizade. O
Twitter está aí para provar. Os blogs estão aí para provar. E agora os vlogs.
As mídias sociais são alimentadas por posicionamentos. De marcas e
principalmente de pessoas. O conteúdo que rola nas mídias sociais é o
espelho que reflete aquilo que o espelho do seu banheiro não pode refletir.
Obviamente este conteúdo não revela tudo, mas pode revelar boa parte da nossa
autoimagem e da imagem que queremos que tenham de nós.
Tem gente que escolhe não se posicionar. Não se
posicionar garante passeio livre por todos os tipos de público, é fácil, não
cansa, não causa atrito. Quem não se posiciona ideologicamente, não
quer se olhar no espelho, porque tem medo de ser julgado.
Manter-se neutro, se é que existe neutralidade,
não demanda trabalho, energia mental e emocional. O que é diferente de ter um
pensamento dialético (ponderar prós e contras, botar tudo num liquidificador e
se posicionar de maneira não-binária). Mas não se posicionar também não causa
troca e tampouco permite aprendizados. Além do mais, pode ser perigoso. Falta
de posicionamento me dá a impressão de descompromisso e apatia. Falta de paixão
e envolvimento com alguma coisa. Quem não se posiciona, geralmente
adora criticar quem se posiciona. Ironicamente, acaba tomando um
posicionamento. E quer saber? Ponto pra quem causou esse
posicionamento repentino. Ponto pra quem causou alguma coisa em quem tava lá,
lendo sua timelinezinha, um blog ou assistindo a um vlog em estado letárgico. Acordar
pessoas é sempre legal, mesmo quando você as acorda pra dar um sono no meio da
sua cara. Se posicionar é difícil. É dar a cara a tapa. E que tapa!
Quem se posiciona corre o risco de ser criticado, mal interpretado. As
pessoas costumam confundir assertividade com arrogância.
Vide Felipe Neto. Quem é que entende que ele
incorpora um personagem arrogante, irônico e agressivo para dar as próprias
opinões? Ele chama na chincha, joga a merda no ventilador. Resultado? Assim ó,
de gente criticando o que o Felipe Neto faz, sem primeiro fazer o mínimo
esforço para entender a proposta dele. As críticas são importantes
quando fundamentadas. Mas me incomodam muito quando elas só rolam porque, na
cabeça da maioria, gente que se sente livre pra falar o que pensa, ofende.
Não tanto pelas opiniões emitidas quanto pelo sentimento de liberdade e coragem
com que a pessoa emitiu. Parece que não temos o direito de pensar de tal ou tal
forma tanto quanto temos o direito de vestir tal ou tal roupa. Mas se pensarmos
bem, enfrentar as críticas é o de menos. Porque quando uma pessoa se posiciona,
ela ganha aliados também. Não para um combate lógico e racional, não para
defender com unhas e dentes o posicionamento que os uniu. Mas para a vida. Quem
se posiciona encontra pessoas valiosas, que não teria encontrado caso
preferisse a neutralidade. Eu não acredito na neutralidade, não existe discurso
neutro. Acredito na dialética, na ponderação de prós e contras. A neutralidade
soa para mim como falsidade ou omissão. Já o posicionamento honesto nunca será
impune. E a honestidade não é bonitinha, meiguinha, carinhosinha,
fofinha. Ela só é curte quando assim ela deve ser, e ponto. A
honestidade, meu amigo, às vezes é irônica. Às vezes é arrogante. Às vezes é
chata. A honestidade às vezes é engraçada. A honestidade às vezes é depressiva.
A honestidade é um monte de coisa, brodá. Só tem uma coisa que a
honestidade não é: omissa.
Portanto, antes de criticar ou se sentir ofendido
com o posicionamento alheio, tenho só uma perguntinha pra fazer pra você. E
aí, você já se olhou no espelho hoje?
Fonte:
http://www.ocrepusculo.com/2010/07/29/monologo-em-frente-ao-espelho/