É desejar o impossível: não machucar ninguém, apesar das pressões do
mundo corporativo.
No ano de 1598, navegando pelo
oceano Índico em direção ao sudoeste da África, caravelas portuguesas chegaram
às praias de uma ilha de origem vulcânica com pouco mais de 1800 quilômetros
quadrados de área. Essa ilha, hoje chamada Maurício, ficava no meio de nada, a
1000 quilômetros do pedaço de terra mais próximo, a ilha de Madagáscar. Entre
outras novidades, os portugueses depararam com um tipo de ave desconhecida que,
como se verá a seguir, parecia ser completamente pirada. Por isso, deram ao pássaro
o apelido de “doido” – ou, em português arcaico, “doudo”. O tempo e a fonética
se encarregariam de eliminar o “u”, e a ave entraria nos compêndios de
ornitologia como “dodó”.
Mas, naquele 1598, a primeira
coisa que surpreendeu os marinheiros foi o fato de que o dodó, ao contrário de
qualquer outro animal selvagem, não fugia quando os humanos se aproximavam.
Apesar de ser uma ave, não sabia voar. E nem correr. Só andava, e extremamente
devagar. Também não subia em árvores, e fazia seu ninho a céu aberto, sem
nenhuma preocupação com possíveis predadores. A explicação para isso era
simples: não havia predadores na ilha Maurício. Assim como não há cobras em
Fernando de Noronha, porque elas nunca conseguiram chegar ao arquipélago,
também a ilha de Maurício ficara tanto tempo isolada do resto do mundo que o
Dodô acabou se tranformando em uma criatura absolutamente incapaz de perceber o
perigo. E, mesmo que percebesse, não saberia como reagir a ele nem como se
defender. Simplesmente ficava ali parado, sem sentir nenhum receio, olhando e
esperando.
Os portugueses trouxeram cães e
porcos para a ilha. Dos porões das caravelas desembarcaram ratazanas. E todos
esses bichos logo descobriram o banquete: comida não apenas farta mas
aguardando para ser devorada, sem resistir. É claro que não faltou a
colaboração do maior dos predadores, o homem. O resultado foi e é óbvio: em
1681, os dodós já não existiam. Foi, provavelmente, o único animal da história
que desapareceu por ser totalmente inocente. Perto do Dodô, até uma borboleta
parecia feroz.
Se a gente imaginar que no começo
dos tempos havia um Plano Estratégico para a Criação, é bem provável que o Dodô
teria sido escolhido como paradigma para o relacionamento entre os seres vivos:
um futuro perfeito, todos seríamos como ele, bons, sem medos, sem precisar
atacar ninguém ou fugir de alguém. Só que o Plano Operacional Prático, que é o
que vale,mudou tudo: nós somos constantemente instalados a ser mais agressivos,
mais técnicos, mais pragmáticos, mesmo que para isso tenhamos de tomar decisões
que possam ferir os sentimentos de nossos semelhantes. Além disso, somos sempre
alertados para ficar atentos o tempo todos, caso contrário seremos presa fácil
para os predadores corporativos. Daí, ou nos adaptamos às regras da selva, por
mais que as achemos injustas, ou seremos devorados pelo sistema. É uma pena,
mas nas corporações, assim como aconteceu na natureza, os predadores levam
vantagem. E que fim levou a inocência? Bom, a palavra vem do verbo latino
nocere, “machucar”. O “inocente” é que “não machuca” ninguém, não importa a
pressão ou a situação. O último a acreditar que a inocência podia ser a forma
mais elevada de convivência foi o Dodô. E, por agir segundo suas convicções,
acabou extinto.
Artigos de Max
Gehringer.