É captar indícios e os transformar em verdades corporativas
Por que a gente diz que um
artista “interpreta” uma melodia ou uma peça de teatro? Porque ele está
transformando em um desempenho audível ou visível o que o autor da peça
supostamente estava imaginando quando a compôs. É por isso que uma partitura
pode variar uma barbaridade quando executada por dois músicos diferentes: cada
um deles está “interpretando” o que, em sua percepção pessoal, passava pela
cabeça de quem criou. A mesma coisa acontece na vida prática: não raramente,
uma versão de alguém para um fato acaba se tornando “a verdadeira”, mesmo
quando o autor ou causador do fato insiste em desmenti-la. Esse fenômeno está
na própria origem do verbo “interpretar”: ele se originou do latim e do
sânscrito, e significa “espalhar (algo) dentro de um grupo”. Se esse algo é ou
não “a verdade”, aí já é outra história.
E por falar em vida prática, uma
das figuras mais inocentes – e, ao mesmo tempo, mais nocivas – na fauna das organizações
é o intérprete corporativo. Ele é uma espécie de despachante de rumores que age
por conta própria. O intérprete tem uma função normal dentro da empresa, como
todos os seus colegas têm. Mas o que o diferencia dos demais é o fato de ter
delegado a si mesmo uma missão adicional: a de manter a empresa informada sobre
o que realmente está acontecendo. E o problema aí é esse realmente, porque o
intérprete não tem acesso às informações, apenas capta indícios e os transforma
em fatos consumados. Daí o intérprete corporativo ser um inocente, já que não
se beneficia pessoalmente das coisas que fica espalhado. Mas é ao mesmo tempo,
altamente nocivo, já que suas versões podem causar estragos consideráveis.
Intérpretes corporativos existem
em todas as empresas. Eu nunca trabalhei em uma que não tivesse, pelo menos, um
deles. Eles são muito convincentes, iniciam suas frases com um “Você já soube?”
– e aí contam histórias mirabolantes sobre os bastidores da empresa. E como
eles sabem de tanta coisa? “Sei de fonte limpa”, afirmam. Ah... Então, o
intérprete corporativo estava no sanitário da empresa, lavando as mãos. Aí, no
último banheirinho, toca um celular. “Alô”, alguém atende lá dentro, e o
intérprete imediatamente reconhece aquela voz. É o doutor Nelson, o gerente. O
intérprete ainda não sabe, mas está no lugar certo na hora certa: do outro lado
da linha está o big boss do doutor Nelson, querendo saber por que os resultados
andam tão ruins. O intérprete não sabe quem está falando nem qual é o assunto,
mas não lhe será difícil deduzir. E ele ouve atentamente a conversa (ou melhor,
escuta somente as respostas que o Nelson vai dando):
-- É, está difícil...
-- Estou tentando, não é falta de
esforço.
-- Está acabando com meu humor...
-- Olha, eu acho que essa situação
não vai se resolver, é um problema crônico.
Aí, o intérprete sai de fininho
do sanitário, encontra um grupinho no corredor e pergunta:
-- Vocês sabem por que o doutor
Nelson anda tão mal-humorado ultimamente?
Opa, aquilo era uma revelação e
tanto, principalmente após o intérprete afirmar que ouviu tudo da boca do
próprio. O pessoal então se cala para ouvir. E o intérprete olha para os lados,
pede sigilo absoluto, curva-se para a frente e sussurra:
-- Prisão de ventre. E das
crônicas!
Artigos de Max
Gehringer.